RESUMO: A intervenção na propriedade privada são os atos do Poder Público que acabam por retirar ou restringir compulsoriamente o direito de domínio privado ou acabam por sujeitar o uso de bens particulares em virtude de atendimento de interesses da sociedade. Com isso, este estudo tem como propósito abordar a legislação brasileira e portuguesa quanto aos mecanismos de intervenção na propriedade privada. O objetivo deste artigo é realizar uma análise quanto a legislação do Brasil e de Portugal sobre os mecanismos de intervenção na propriedade privada, elencado nos documentos constitucionais e legislações infraconstitucionais de ambos os países. A metodologia utilizada é a hipotético-dedutiva e a técnica de pesquisa bibliográfica, aliada a pesquisa documental, a fim de analisar, comparar e contextualizar diversos estudos de renomados autores, junto às legislações do Brasil e de Portugal, relativos/as aos mecanismos de intervenção na propriedade privada.
PALAVRAS-CHAVE: Direito comparado. Direito Administrativo. Legislação brasileira. Legislação portuguesa. Intervenção na propriedade.
ABSTRACT: Intervention in private property are the acts of the Public Power that end up compulsorily withdrawing or restricting the right of private domain or end up subjecting the use of private property by virtue of serving the interests of society. With this, this study aims to address the Brazilian and Portuguese legislation regarding the mechanisms of intervention in private property. The purpose of this article is to carry out an analysis regarding the legislation of Brazil and Portugal on the mechanisms of intervention in private property, listed in the constitutional documents and infraconstitutional legislation of both countries. The methodology used is hypothetical-deductive and the bibliographical research technique, combined with documental research, in order to analyze, compare and contextualize several studies by renowned authors, together with the legislation of Brazil and Portugal, related to intervention mechanisms on private property.
KEYWORDS: Comparative law. Administrative law. Brazilian legislation. Portuguese legislation. Intervention in the property.
1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa visa tratar sobre os mecanismos de intervenção na propriedade privada no âmbito legislativo do Brasil e de Portugal. Por esse viés, tem-se que o objetivo deste artigo é realizar uma análise comparativa quanto a legislação do Brasil e de Portugal sobre os mecanismos de intervenção na propriedade privada, elencado nos documentos constitucionais e infraconstitucionais de ambos os países.
Evidencia-se que a justificativa deste estudo surge através de um período de mobilidade acadêmica realizado pelo autor deste trabalho, durante um semestre da graduação, na Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Direito, em Lisboa - Portugal, mediante bolsa de estudos concedida pelo programa de mobilidade acadêmica da Associação das Universidades de Língua Portuguesa - AULP. Além disso, tem-se a justificativa relacionada à demanda de pesquisa desenvolvida ao decorrer das aulas e debates da disciplina de “Direito Administrativo” ministradas na Universidade Federal do Rio Grande (FURG) no curso de Direito Bacharelado no ano de 2022.
A metodologia utilizada nesta pesquisa é a hipotético-dedutiva que, consoante Popper (1993), desenvolve-se através de uma problemática, dentro de uma conjuntura, que se submete a sucessivos testes de falseamento. Além disso, utilizar-se-á a técnica de pesquisa bibliográfica, aliada a pesquisa documental, a fim de analisar, comparar e contextualizar diversos estudos de renomados autores, junto às legislações do Brasil e de Portugal, relativos/as aos mecanismos de intervenção na propriedade privada.
Nesse âmbito, convém expor que, a partir da interferência estatal mais contundente nas relações privadas, criou-se a ideia de intervenção estatal na propriedade privada - de modo a colocar o Estado no centro das relações privadas/entre particulares. Com isso, tem-se que a intervenção na propriedade é um ato do Poder Público que, com o intuito de garantir o interesse da coletividade/interesse público, retira a propriedade ou restringe o direito de um particular (MEIRELLES, 2009), podendo até mesmo extinguir a propriedade, quando verificados os interesses da coletividade a partir do Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado (ARAÚJO, 2010).
Em relação às modalidades de intervenção na propriedade privada, cabe explicar que, no Brasil, existe a expropriação; desapropriação; servidão administrativa; tombamento; limitações administrativas; requisição administrativa; e ocupação temporária. Já em Portugal, existe a requisição; a expropriação por utilidade pública; a venda forçada de imóveis; a servidão administrativa; a ocupação temporária de bens; a nacionalização; e o confisco.
Sendo assim, faz-se imprescindível a análise comparativa da legislação portuguesa e brasileira acerca dos mecanismos de intervenção na propriedade privada. Assim, dividir-se-á o estudo em duas partes, de modo que, na primeira parte, será analisada a legislação e a doutrina brasileira e, na segunda parte, será analisada a legislação e a doutrina portuguesa.
2. A INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA NO BRASIL
Em um primeiro plano, cabe expor que a partir do viés de assegurar a predominância do interesse público sobre o interesse privado e efetivar o cumprimento da função social da propriedade, em muitos casos, faz-se preciso que ocorra a intervenção do Estado na propriedade privada, de maneira a limitar e condicionar os interesses individuais. O instituto da intervenção na propriedade é uma ação do Poder Público em que restringe o direito do particular sobre a propriedade ou retira a propriedade do mesmo, consoante Meirelles (2009). Ademais, percebe-se que, em alguns casos, é possível que ocorra a extinção da propriedade, segundo Araújo (2010), quando houver interesse público manifestado a partir do Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado.
O Estado então se revela preocupado com a utilização racional e utilidade pública dessas propriedades privadas para alcançar o bem-estar da população. Com o objetivo de alcançar esse bem-estar, faz-se necessária a utilização do Poder Público para conciliar o que deve e o que não deve ser feito nessas propriedades privadas de maneira geral, garantindo condições de segurança e sobrevivência, com determinadas restrições. (QUEIROZ, 2020, p. 9).
Assim, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado acaba por se revelar de teor importante na seara da intervenção estatal na propriedade privada, de modo que a partir dele o bem-estar da população poderia ser alcançado. Desse modo, evidencia-se que a função social precisará ser o alvo das limitações a fim de que o interesse público seja alcançado. Ademais, verifica-se que, para promover o bem-estar social, cabe ao Poder Público intervir na propriedade privada, desde que atue dentro dos limites atribuídos a cada entidade estatal, com amparo do interesse público.
Relacionado a este tema, cabe expressar o artigo 5º, incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXII- é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Em relação ao conceito de propriedade, é possível inferir que é um direito real, que possibilita o particular ter poder de usar, dispor de maneira absoluta e perpétua, persegui-la nas mãos de quem quer que se encontre (DI PIETRO, 2009), todavia, de modo a respeitar o sentido social que lhe pertence. A propriedade compreende tanto as coisas corpóreas quanto as coisas incorpóreas, em seu sentido amplo, e a ideia de propriedade acaba por se apresentar mais abrangente do que a de domínio.
A propriedade pode ser entendida como “o poder jurídico atribuído a uma pessoa de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, em sua plenitude e dentro dos limites estabelecidos na lei, bem como reivindicá-lo de quem injustamente o detenha". (GONÇALVES, 2017, p. 229-230).
E, nesse sentido, segundo Queiroz (2020, p. 14):
A ideia de função social tem origem da ideia de que o ser humano, enquanto membro de uma sociedade, deve realizar esforços no sentido de acrescentar algo para o bem-estar social em detrimento dos seus interesses individuais.
Nesse contexto, surge a teoria da função social, na qual todo indivíduo tem o dever social de desempenhar determinada atividade, de desenvolver da melhor forma possível sua individualidade física, moral e intelectual, para, com isso, cumprir sua função social da melhor maneira.
Em sequência, é possível verificar que existem mecanismos de intervenção estatal na propriedade privada, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 possibilita ao Estado brasileiro promover a intervenção da propriedade privada, no instante em que a sua função social não esteja sendo considerada, no artigo 5º, inciso XXIII. Assim, para que o Estado assegure o cumprimento do direito de propriedade em relação à função social, observa-se que o ordenamento jurídico brasileiro prevê determinadas modalidades/mecanismos que propiciam a intervenção estatal na propriedade.
De acordo com Carvalho Filho (2012), são admitidos dois tipos básicos de intervenção estatal na propriedade privada, sendo elas: a intervenção restritiva (a que o Estado restringe e condiciona o uso da propriedade sem retirá-la de seu proprietário) e a intervenção supressiva (a que o Estado utilizando-se da sua supremacia sobre os particulares, realiza a transferência coercitiva da propriedade de um bem de terceiro para si próprio).
Em relação às modalidades de intervenção, no Brasil, existem: a expropriação; desapropriação; servidão administrativa; tombamento; limitações administrativas; requisição administrativa; e ocupação temporária. Vê-se cada uma delas a seguir:
Primeiramente, há o mecanismo da expropriação, o qual é verificado como uma apropriação que possui base legal, de modo que ela acontece quando há a tomada de determinado bem de um indivíduo por motivo estipulado na legislação. Tem-se como exemplo os casos de expropriação de propriedades do meio rural ou urbano, nas quais são percebidas condições de trabalho escravo ou até mesmo quando há plantio de plantas psicotrópicas. Esta situação está disposta na Lei nº 8.257, de 26 de novembro de 1991, a qual dispõe sobre a expropriação das glebas nas quais se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas. O artigo 6º desta lei evidencia que “a ação expropriatória seguirá o procedimento judicial estabelecido nesta lei”.
Após, tem-se a desapropriação e, sobre esse mecanismo, compreende-se que é um ato em que o Poder Público acaba por transferir para si próprio a propriedade de um terceiro, por motivo de utilidade pública ou de interesse social, geralmente mediante pagamento de indenização ao indivíduo. A desapropriação apenas será legítima quando existirem motivos de utilidade e necessidade pública e interesse social. Consoante Souza (2010), a utilidade pública acontece quando a transferência do bem é conveniente para o Poder Público; já a necessidade pública surge a partir de emergências, como, por exemplo, desastres ambientais; e, por fim, o interesse social é relacionado com a função social.
Em relação ao assunto, a Constituição de 1988 dispõe em seu artigo 5º, inciso XXIV, que “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”. E, com isso, tem-se o Decreto-Lei Nº 3.365, de 21 de junho de 1941, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública.
Art. 1º A desapropriação por utilidade pública regular-se-á por esta lei, em todo o território nacional.
Art. 2º Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
[...]
Art. 5º Consideram-se casos de utilidade pública:
a) a segurança nacional;
b) a defesa do Estado;
c) o socorro público em caso de calamidade;
d) a salubridade pública;
e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência;
f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica;
g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais;
h) a exploração ou a conservação dos serviços públicos;
i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais;
j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo;
k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza;
l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens móveis de valor histórico ou artístico;
m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios;
n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves;
o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária;
p) os demais casos previstos por leis especiais.
[...]
Com referência ao assunto, destaca-se o jurisprudência seguinte do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO DE ÁREA NON AEDIFICANDI. MATÉRIA DE PROVA. SÚMULA 7/STJ.
1. Não viola o art. 535 do CPC, tampouco nega a prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia.
2. O aresto atacado abordou todas as questões necessárias à integral solução da lide, concluindo, no entanto, que, em se tratando de limitação administrativa imposta genericamente a todos os proprietários, não há qualquer direito à indenização da área non aedificandi, em decorrência do alargamento de rodovia.
3. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que "a indenização pela limitação administrativa advinda da criação de área non aedificandi, somente é devida se imposta sobre imóvel urbano e desde que fique demonstrado o prejuízo causado ao proprietário da área" (REsp 750.050/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 7.11.2006).
4. A ocorrência ou não de tais circunstâncias, no entanto, por envolver o reexame do contexto fático-probatório dos autos, não pode ser analisada em sede de recurso especial, segundo o disposto na Súmula 7/STJ.
5. Agravo regimental desprovido.
(STJ, AgRg nos EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 1.108.188 - SC (2008/0276572-1), RELATORA : MINISTRA DENISE ARRUDA)
Sobre o mecanismo da servidão administrativa, observa-se que é um direito real público sobre a propriedade de outrem que promove determinadas restrições ao uso privado, mas não altera a propriedade do bem. Nesse âmbito, o Decreto-Lei Nº 3.365, de 21 de junho de 1941, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, expressa, em seu artigo 40, que “o expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei”. E, como já exposto, a Constituição de 1988 dispõe em seu artigo 5º, inciso XXIV, que “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”.
Assim, o jurista Marçal Justen Filho realizou a seguinte definição:
A servidão administrativa consiste no regime jurídico específico, imposto por ato administrativo unilateral de cunho singular, quanto ao uso e fruição de determinado bem imóvel e consistente em dever de suportar e de não fazer, podendo gerar direito de indenização. (JUSTEN FILHO, 2009, p. 517).
Em adendo, cabe evidenciar o mecanismo do tombamento, sendo este uma das espécies de intervenção na propriedade. O tombamento está baseado na ideia de Supremacia do Interesse Público sobre o Privado, além de ter como viés proteger e preservar o patrimônio histórico e artístico nacional. A Constituição de 1988, no artigo 216, dispõe que constituem o patrimônio cultural brasileiro “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira [...]”.
Além disso, o Decreto-Lei Nº 25, de 30 de novembro de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, estipula em seus artigos que:
Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, a fim de produzir os necessários efeitos.
Art. 6. O tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente.
Relacionado ao assunto do mecanismo de intervenção estatal na propriedade denominado tombamento, observa-se a seguinte jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
ADMINISTRATIVO. TOMBAMENTO. INSTALAÇÃO DE GRADES DE PROTEÇÃO EM EDIFÍCIO RESIDENCIAL DO PLANO PILOTO DE BRASÍLIA. VIOLAÇÃO À NORMA DE TOMBAMENTO.
1. É fato notório que o tombamento da Capital da República não atingiu apenas os prédios públicos, ou o seu arruamento, ou qualquer outra parte isoladamente considerada. Tombada foi a cidade em seu conjunto, com o seu singular conceito urbanístico e paisagístico, que expressa e forma a própria identidade da Capital.
2. Assim, está também protegido por tombamento o conceito urbanístico dos prédios residenciais, com a uniformidade de suas áreas livres, que propiciam um modo especial de circulação de pessoas e de modelo de convívio. O gradeamento desses prédios comprometerá severamente esse conceito, importando ofensa ao art. 17 do DL 35/1937. Precedente: REsp 840.918, 2a. Turma, Min. Herman Benjamin.
3. Recursos Especiais providos.
(STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 761.756 - DF (2005/0101530-7), RELATOR: MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI).
Acerca da limitação administrativa, segundo o jurista Queiroz (2020), entende-se que é uma intervenção estatal restritiva da propriedade privada que afeta qualquer proprietário que esteja na situação estipulada pela norma. De acordo com Carvalho (2017), as limitações administrativas acabam por impor a particulares obrigações positivas, negativas ou permissivas, com o viés de condicionar as propriedades a atender a função social.
As limitações administrativas são preceitos de ordem pública. Derivam, comumente, do poder de polícia inerente e indissociável da Administração e se exteriorizam em imposições unilaterais e imperativas, sob a tríplice modalidade positiva (fazer), negativa (não fazer) ou permissiva (deixar de fazer). No primeiro caso, o particular fica obrigado a realizar o que a Administração lhe impõe, no segundo, deve abster-se do que lhe é vedado; no terceiro, deve permitir algo em sua propriedade. (MEIRELLES, 2009, p. 639).
Em relação ao tema, o Lei Nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, dispõe que:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
E, junto a isso, o Código Civil estipula que:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
Ademais, tem-se a modalidade da requisição administrativa, na qual o Poder Público usa bens móveis, imóveis e serviços particulares em condição de perigo público iminente, consoante Carvalho Filho (2009). Desse modo, resta compreensível que, caso haja indenização, será ulterior, de maneira a priorizar as necessidades coletivas emergenciais. Segundo Justen Filho (2009), esse mecanismo consiste em uma espécie de ocupação temporária de bens móveis e consumíveis imprescindíveis para conter uma situação de perigo.
Em relação ao exposto sobre a requisição administrativa, a Constituição de 1988 expressa, em seu artigo 5º, inciso XXV, que “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”. E expressa, no artigo 22, que “compete privativamente à União legislar sobre: [...] III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra”. Junto a isso, expõe, no artigo 139, que “na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: [...] VII - requisição de bens”.
Por fim, convém ressaltar o mecanismo da ocupação temporária, a qual é percebida como um uso transitório, remunerado ou gratuito, de bens de propriedade privada pelo Estado para viés de obras, serviços ou de atividades públicas ou de interesse público, como exposto por Meirelles (2009). Assim, vê-se que ocorre a ocupação temporária quando ocorre uma disposição de bens públicos em propriedade particular. De acordo com Nogueira e Ferreira (2013, p. 13), a “ocupação temporária é um instituto de utilização da propriedade imóvel, possui finalidade o armazenamento de maquinários e ferramentas das construções efetivadas pelo Poder Público nas propriedades contíguas a estas”.
Sobre a temática, a legislação brasileira infraconstitucional disciplina o seguinte:
DECRETO-LEI Nº 3.365, DE 21 DE JUNHO DE 1941.
Art. 36. É permitida a ocupação temporária, que será indenizada, afinal, por ação própria, de terrenos não edificados, vizinhos às obras e necessários à sua realização. O expropriante prestará caução, quando exigida.
LEI Nº 3.924, DE 26 DE JULHO DE 1961.
Art 13. A União, bem como os Estados e Municípios mediante autorização federal, poderão proceder a escavações e pesquisas, no interesse da arqueologia e da pré-história em terrenos de propriedade particular, com exceção das áreas muradas que envolvem construções domiciliares.
Parágrafo único. À falta de acôrdo amigável com o proprietário da área onde situar-se a jazida, será esta declarada de utilidade pública e autorizada a sua ocupação pelo período necessário à execução dos estudos, nos termos do art. 36 do Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941.
LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993
Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
[...]
V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar a apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.
[...]
3. A INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA EM PORTUGAL
Relacionado à intervenção na propriedade privada em Portugal, verifica-se, de início, que o direito à propriedade privada e a sua transmissão em vida ou por morte é um direito fundamental garantido constitucionalmente pela Constituição da República Portuguesa de 1976. Assim, percebe-se que a propriedade privada é consagrada constitucionalmente no artigo 62, nº 2, da CRP. E, nesse sentido, vê-se que o direito de propriedade se encontra junto aos direitos econômicos, culturais e sociais, no instante em que não faz parte do grupo dos direitos, liberdades e garantias, mesmo que possua teor análogo a estes.
Consoante Canotilho e Moreira (2007), em relação ao âmbito do direito de propriedade, é possível ressaltar quatro tipos que compõem, sendo: a liberdade de adquirir bens; a liberdade de utilizar e usufruir dos bens de sua propriedade; a liberdade de transmissão dos bens; e, por fim, o direito de não acabar sendo privado deles. Convém evidenciar também que não significa que não possa existir bens que não são suscetíveis de apropriação.
Além disso, sabe-se também que é possível que a lei determine certas restrições ao direito de propriedade referido nas suas diversas vertentes e, principalmente, a situação de transmissão mortis causa. Desse modo, convém ressaltar que essa garantia constitucional da propriedade privada não propicia esse direito à propriedade como um direito absoluto, no momento em que há limites ou restrições promovidos pelo legislador. Isso, pois entende-se que o uso sem restrição de direitos de cada indivíduo poderia comprometer a vida no meio social (DIAS, 2016).
Abaixo, cabe expressar o artigo 62 da Constituição da República Portuguesa de 1976:
Artigo 62.º
Direito de propriedade privada
1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.
Ademais, em relação ao direito de não privação da propriedade, observa-se que ele não é protegido constitucionalmente, mesmo sendo um elemento essencial do direito de propriedade. Dessa maneira, apenas há o direito de ele não ser privado da propriedade de forma arbitrária e o direito de receber indenização na situação de desapropriação, ressalvadas as os casos expressos e previstos constitucionalmente.
Assim, caso os poderes públicos se vejam obrigados, (necessariamente) por razões de interesse ou utilidade pública, a proceder ao legítimo sacrifício de direitos patrimoniais privados, nomeadamente através de atos administrativos que operem a privação provisória ou definitiva dos mesmos, a garantia da propriedade converte‑se em regra numa garantia de valor do objeto do direito sacrificado. (AMORIM, 2014, p. 239).
Em função disso, verifica-se que a Constituição de Portugal estipula mecanismos de intervenção da propriedade privada, tais como a requisição e a expropriação por utilidade pública em geral e, além desses, há as servidões administrativas. E, compreende-se que esses mecanismos não acabam por esgotar as maneiras de privação forçada da propriedade, mas a falta de não ter uma expressa credencial constitucional propicia determinados empecilhos a certas figuras que decorrem do direito civil, relacionadas a perda ou a transmissão forçada do direito de propriedade. Desse modo, evidencia-se que, em Portugal, existe a requisição; a expropriação por utilidade pública; a venda forçada de imóveis; a servidão administrativa; a ocupação temporária de bens; a nacionalização; e o confisco.
Nesse sentido, cabe explicar o mecanismo da expropriação por utilidade pública, não sendo este apenas um ato ablativo ou de limitação do direito de propriedade, mas sendo também um procedimento de aquisição de bens, com o ideal do interesse público (CALVÃO, 2015). Esse mecanismo é formado por dois instantes, um sendo o procedimento administrativo e o outro o processo jurisdicional.
A expropriação é a deslocação patrimonial de certos bens imóveis para a esfera jurídica da entidade que realizou expropriação, que possui o viés da prossecução de um fim específico de utilidade pública, mediante indenização ao indivíduo que sofreu a expropriação (CALVÃO, 2015). Desse modo, percebe-se que, por mais impetuosa e violenta é a ação, a lei não deixa de lado o direito dos expropriados, dando-lhes a possibilidade de receber a indenização e o direito de reversão. Sobre a temática, evidencia-se a jurisprudência abaixo do Tribunal da Relação de Guimarães:
Sumário
1. No âmbito das expropriações por utilidade pública, o cerne do Estado de Direito Democrático assenta nas normas que estabelecem a protecção dos cidadãos contra o arbítrio e a injustiça, desde logo pela garantia do pagamento atempado da justa indemnização, de modo a que o acto ablativo não afronte intoleravelmente os valores fundamentais, antes dê corpo à realização do direito de propriedade.
2. O princípio processual da cooperação visa a justa composição do litígio, circunscrita ao carreamento para o processo de todos os factos que são susceptíveis de interessar à decisão da causa, mesmo não deixando de estar sujeitos ao contraditório e à prova; inclui o dever de colaboração das partes entre si e do tribunal com as partes, para além do da cooperação de qualquer pessoa para a descoberta da verdade.
3. A violação, por qualquer das partes, desse dever de honeste procedere, de acatamento dos padrões de comportamento decorrentes duma séria litigiosidade - que exceda o padrão da não exigibilidade e não corporize já litigância de má fé – é subsumível ao contido nos arts. 519º CPC e 102-b) CCJ.
O desrespeito por comando judicial, substancial e formalmente adequado às regras civis e adjectivas, é intuitivo que corporize desvalor ético-social, capaz de ferir, pelo menos reflexamente, a esfera jurídica (no segmento do direito privado, para além do público) das contrapartes e de quaisquer outros concidadãos.
(Tribunal da Relação de Guimarães, Processo nº 46/08-2, Relator GOMES DA SILVA, Sessão 29 Novembro 2007).
E, com isso, infere-se que há a Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, a qual disciplina o Código das Expropriações:
Artigo 1.º
Admissibilidade das expropriações
Os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do presente Código.
Artigo 2.º
Princípios gerais
Compete às entidades expropriantes e demais intervenientes no procedimento e no processo expropriativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos expropriados e demais interessados, observando, nomeadamente, os princípios da legalidade, justiça, igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e boa fé.
Outro mecanismo de intervenção na propriedade é a servidão administrativa, a qual promove a afetação de utilidades de um prédio objeto de direitos reais em prol de outro, pelo viés de utilidade pública. Nesse âmbito, verifica-se que quem se beneficia da servidão não é o proprietário, de modo que antes disso vem o interesse público. Sabe-se que a servidão não propicia a extinção do direito de propriedade sobre o bem, porém limita, altera ou priva o uso do bem, de maneira a impor deveres positivos ou negativos (FERNANDES, 2009).
Assim, percebe-se que, como a servidão é menos gravosa para o proprietário/titular de direito sobre o bem, quando com ela o interesse público for garantido, usa-se a servidão administrativa no lugar da expropriação. Em função disso, Lei n.º 31/2014, que trata sobre lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, dispõe que:
Artigo 33.º
Servidões administrativas
1 - Para a prossecução de finalidades concretas de interesse público relativas à política fundiária podem, nos termos legalmente previstos, ser constituídas servidões administrativas sobre bens imóveis que, com carácter real, limitem o direito de propriedade ou outros direitos reais, por lei, ato administrativo ou contrato, prevalecendo sobre as demais restrições de uso do solo.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, podem, designadamente, ser impostas aos titulares dos direitos reais sobre bens imóveis, obrigações de não adotar condutas que prejudiquem as finalidades de interesse público prosseguidas pelo Estado, regiões autónomas e autarquias locais, na medida estritamente necessária para a prossecução dessas finalidades.
3 - A constituição, ampliação ou alteração de uma servidão administrativa por ato administrativo deve ser precedida de audiência prévia dos interessados e de participação em termos análogos aos previstos para a participação nos programas especiais.
4 - As participações poderão ter por objeto a ilegalidade ou a inutilidade da constituição, ampliação ou alteração da servidão ou a sua excessiva amplitude ou onerosidade.
5 - Quando tenham caráter permanente e expressão territorial suscetíveis de impedir ou condicionar o aproveitamento do solo, as servidões administrativas são obrigatoriamente traduzidas nos planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal podendo, no âmbito dos procedimentos de elaboração, alteração ou revisão destes planos, ser ponderadas desafetações ou alterações.
6 - As servidões administrativas que tenham efeito análogo à expropriação são constituídas mediante pagamento de justa indemnização, nos termos da lei.
Em relação à requisição administrativa, entende-se que ela é uma limitação temporária, a partir da administração pública, por motivos de interesse público. Para que esse mecanismo seja configurado, faz-se necessário que ocorra alguma situação anormal, como, por exemplo, guerra ou alguma catástrofe (CAETANO, 1980). A CRP, artigo 62, nº 2, prescreve que deve ocorrer justa indenização em casos que ocorra esse mecanismo de intervenção na propriedade: “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
O Código Civil Português trata sobre a requisição administrativa nos seguintes artigos:
Artigo 1309.º
(Requisições)
Só nos casos previstos na lei pode ter lugar a requisição temporária de coisas do domínio privado.
Artigo 1310.º
(Indemnizações)
Havendo expropriação por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afectados.
Artigo 1388.º
(Requisição de águas)
1. Em casos urgentes de incêndio ou calamidade pública, as autoridades administrativas podem, sem forma de processo nem indemnização prévia, ordenar a utilização imediata de quaisquer águas particulares necessárias para conter ou evitar os danos.
2. Se da utilização da água resultarem danos apreciáveis, têm os lesados direito a indemnização, paga por aqueles em benefício de quem a água foi utilizada.
A ocupação temporária é outra forma de intervenção estatal na propriedade. Ela ocorre quando há a necessidade dessa ocupação durante a realização de obras ou trabalhos necessários. Assim, no dado período limitado ao necessário para que a obra seja realizada, o proprietário ou interessado sofre uma limitação do terreno, de modo que também possui o direito de ser ressarcido. Enfim, na ocupação temporária não há nenhuma aquisição, há apenas um uso transitório.
Artigo 18.º
Reserva de solo
1 - A reserva de solo para infraestruturas urbanísticas, equipamentos e espaços verdes e outros espaços de utilização coletiva, que tenha por objeto propriedade privada determina a obrigatoriedade da respetiva aquisição pela Administração Pública no prazo estabelecido no plano territorial ou no instrumento de programação, findo o qual aquela reserva caduca, desde que o atraso não seja imputável à falta de iniciativa do proprietário ou ao incumprimento dos respetivos ónus ou deveres urbanísticos.
2 - Na falta de fixação do prazo a que se refere o número anterior, a reserva do solo caduca no prazo de cinco anos contados da data da entrada em vigor do respetivo plano territorial.
3 - As associações de municípios e as autarquias locais são obrigadas a declarar a caducidade da reserva de solo, nos termos dos números anteriores, e a proceder à redefinição do uso do solo, salvo se o plano territorial vigente tiver previsto o regime de uso do solo supletivamente aplicável.
Para além disso, há o mecanismo da nacionalização, o qual consiste em uma subtração pelo Poder Público de bens ou meios de produção à propriedade e gestão privada por motivo de imprescindibilidade ou indispensabilidade para assegurar demais valores constitucionais. Nesse contexto, compreende-se a Lei 62-A/2008, a qual aprovou o regime jurídico de apropriação pública por via de nacionalização e, em seu artigo 1º, trouxe a exposição de que “podem ser objecto de apropriação pública, por via de nacionalização, no todo ou em parte, participações sociais de pessoas colectivas privadas, quando, por motivos excepcionais e especialmente fundamentados, tal se revele necessário para salvaguardar o interesse público”.
É possível explanar, também, que a nacionalização possui uma certa circunscrição aos meios de produção, especificamente às participações em pessoas coletivas privadas. Junto a isso, tem-se que a nacionalização apenas pode ter o seu desencadeamento em situações específicas e excepcionais, com a finalidade de salvaguardar o interesse público (VAZ, 1994).
Sobre o mecanismo da venda forçada de imóveis, entende-se que é uma obrigação de venda imposta pela legislação aos donos que não estão de acordo com os ônus e deveres que decorrem das operações de regeneração que estão estipulados no plano territorial de âmbito intermunicipal ou municipal ou até mesmo operação de reabilitação urbana e, além disso, em situações de edificações que se encontrem em condição de ruína ou com ausência de condição de habitabilidade. Acerca disso, tem-se a Lei 31/2014 que, em seu artigo 35, regula que:
Artigo 35.º
Venda forçada
1 - Os proprietários que não cumpram os ónus e deveres decorrentes de operação de regeneração prevista em plano territorial de âmbito intermunicipal ou municipal ou de operação de reabilitação urbana podem ser sujeitos a venda forçada, nos termos da lei, em alternativa à expropriação, por motivo de utilidade pública.
2 - Os edifícios em estado de ruína ou sem condições de habitabilidade, bem como as parcelas de terrenos resultantes da sua demolição, podem ser sujeitos a venda forçada, nos termos da lei
3 - Os adquirentes dos edifícios e parcelas de terrenos referidos nos números anteriores estão vinculados aos mesmos ónus e deveres, no prazo e programação estipulados no ato de venda forçada.
4 - No caso de o adquirente em venda forçada não cumprir os ónus e deveres previstos nos planos territoriais e na respetiva programação no prazo da respetiva execução temporal, pode haver lugar a expropriação ou à retoma do procedimento de venda forçada.
5 - A venda forçada só pode ter lugar quando outros meios menos lesivos não sejam suficientes para assegurar a prossecução das finalidades de interesse público em causa.
6 - Na falta de acordo do proprietário quanto ao valor do bem em procedimento de venda forçada é assegurado ao proprietário do imóvel o valor de justa indemnização.
Por fim, cabe destacar o mecanismo de intervenção na propriedade privada denominado confisco, sendo este uma apropriação de bens, sem que haja nenhuma contrapartida para os donos dos direitos reais que sobre os bens citados incidem. Assim, compreende-se que o confisco não propicia direito a indenização, de modo que ele está ligado a uma consequência jurídica imposta aos indivíduos que violarem determinadas disposições de direito penal. Nesse sentido, são estipulados como perdidos em favor estatal os bens que foram utilizados ou prestados a servir para a prática de certo ilícito penal e, também, bens, no instante em que promovam situação de perigo a alguém ou promovam riscos de serem usados em algum ilícito penal, que foram produzidos (FERNANDES, 2009).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destarte, assim, que a função do Estado como interventor na propriedade privada visa assegurar e efetivar o interesse público como predominante em relação ao interesse privado. Então, os mecanismos de intervenção na propriedade privada limitam e condicionam os interesses individuais em prol dos interesses coletivos, sendo uma atuação do Poder Estatal a fim de restringir o direito individual sobre a propriedade ou retirar a propriedade do mesmo, podendo em determinados casos ocorrer a extinção da propriedade, quando houver o interesse público manifestado através do Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado.
Ao decorrer da pesquisa, restaram expostas as modalidades de intervenção na propriedade privada, que, no Brasil, existem as seguintes modalidades: a expropriação; desapropriação; servidão administrativa; tombamento; limitações administrativas; requisição administrativa; e ocupação temporária. Já em Portugal, existem os seguintes mecanismos: a requisição; a expropriação por utilidade pública; a venda forçada de imóveis; a servidão administrativa; a ocupação temporária de bens; a nacionalização; e o confisco.
Enfim, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado se revela importante na esfera da intervenção do Estado na propriedade privada, pois, através disso, o bem-estar da população pode ser alcançado. A partir da análise de estudos de juristas e pesquisadores brasileiros e portugueses, da Constituição do Brasil e de Portugal, das legislações infraconstitucionais de ambos os países e de jurisprudências de tribunais judiciários brasileiros e portugueses, compreende-se que o Poder Público atua interventivamente na sociedade a fim de assegurar o interesse público propiciando intervenções na propriedade privada, quando se faz necessário e adequado consoante as legislações supracitadas, de maneira que a função social da propriedade precisará ser o alvo das limitações administrativas para que o interesse público seja assegurado e efetivado.
6. REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GARIBOTI, Diuster de Franceschi. Análise acerca do direito brasileiro e português quanto aos mecanismos de intervenção na propriedade privada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 dez 2023, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /64186/anlise-acerca-do-direito-brasileiro-e-portugus-quanto-aos-mecanismos-de-interveno-na-propriedade-privada. Acesso em: 28 dez 2024.
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
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